Um convite à exploração

Autor: Marcelo Delvaux

Guia profissional de montanha, com título de “Guía Superior de Montaña” obtido na EPGAMT. Guia de montanha associado à AAGM e à AAGPM e credenciado no Parque Provincial Aconcagua. Possui mais de 150 cumes de alta montanha em seu currículo, com 12 cumes no Aconcagua, a montanha mais alta das Américas.



O perfil dos praticantes de montanhismo, principalmente nas ascensões de alta montanha, mudou substancialmente nas últimas 3 décadas com o surgimento e desenvolvimento do modelo de expedições comerciais difundido em diversas partes do mundo. De um modo geral, poderíamos dizer que até a década de 1980 predominava outro modelo, que iremos denominar de “montanhismo de exploração”, cujas características básicas eram o mapeamento de áreas montanhosas pouco conhecidas, a conquista de cumes virgens, a abertura de novas rotas e a busca de novos níveis de performance, segundo o ponto de vista esportivo, como a escalada de vias com graus de dificuldade cada vez mais elevados ou a ascensão das grandes montanhas do Himalaia sem o uso de oxigênio suplementar.



De certo modo, antes do aparecimento das expedições comerciais, o montanhismo era uma prática elitizada, reservada aos “iniciados”: para subir uma montanha que envolvesse algum tipo de dificuldade era necessário ter experiência e domínio técnico. Não bastava, simplesmente, possuir os meios financeiros para a realização da atividade, era preciso saber escalar, pois a disponibilidade dos serviços de guias de montanha se restringia a poucos lugares do mundo, como em alguns locais dos Alpes.



Os montanhistas que se aventuravam na alta montanha, geralmente, eram escaladores técnicos que haviam acumulado experiência ao longo dos anos e buscavam novos desafios dentro de uma ótica que encarava o montanhismo como um esporte, para o qual, continuamente, se impunha novas metas. E, enquanto atividade esportiva, era uma prática que envolvia um progresso gradual de aprendizado e melhoria de performance. Os clubes de montanhismo, nesse período, exerciam um papel importante na iniciação de seus membros, realizando cursos e organizando expedições exploratórias em diversas partes do mundo.



Com o surgimento das expedições comerciais no Himalaia na década de 1990, e com a exportação desse modelo de expedição para outras regiões, o cenário mudou. As grandes montanhas já não eram mais um lugar reservado aos escaladores e montanhistas de elite, trazendo a possibilidade de que qualquer pessoa com um preparo físico adequado e condições financeiras para bancar os custos de uma expedição pudesse subir montanhas como o Everest e o Aconcagua. O novo modelo de expedição comercial ganhou força com o aparecimento do projeto Sete Cumes, criado, não por acaso, por dois “não montanhistas” (no sentido que o termo montanhista possuía na fase anterior às expedições comerciais).



Apesar de que ainda hoje os custos envolvidos na prática do montanhismo continuam elevados, o modelo de expedição comercial foi responsável por uma certa “popularização” do montanhismo, impulsionando o desenvolvimento do mercado de equipamentos e roupas, a melhoria significativa da qualidade dos materiais e a profissionalização dos serviços de guias de montanha.



Nessa série de artigos iremos analisar as características do montanhismo de exploração, fazendo uma comparação com o contexto atual, marcado pela profusão das expedições comerciais de alta montanha, na tentativa de responder a seguinte questão: ainda é possível praticar o montanhismo de exploração em nossos dias? Por ora, já antecipamos a resposta a essa pergunta dizendo sim, é possível! A exploração encontra-se no DNA do montanhismo e o “espírito de exploração”, mais do que “o cume a qualquer custo”, é o que deveria inspirar e motivar as novas gerações de montanhistas.